quarta-feira, 26 de maio de 2010

Cobrança abusiva via site de relacionamento

É sabido que as práticas abusivas de cobrança são cada vez mais utilizadas pelos credores, sendo raríssimos os casos que agem dentro da legalidade respeitando o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Para melhor entendimento, as práticas abusivas podem ser vistas como condições irregulares de negociação nas relações de consumo. Condições estas que ferem os alicerces da ordem jurídica, seja pelo prisma da boa-fé, seja pela ótica da ordem pública e dos bons costumes. Deixando claro que essas condições se manifestam através de uma série de atividades pré e pós-contratuais.

Dentro do nosso CDC encontramos em seu artigo 42 a necessidade de que a cobrança de débitos não exponha o consumidor inadimplente ao ridículo, ao constrangimento ou a ameaça. Ou seja, a cobrança deverá ser feita sem extrapolar os limites legais, pois “abusos podem resultar em ações de ressarcimento por danos morais e materiais” (http://www.webartigos.com/articles/34355/1/Da-Cobranca-Indevida/pagina1.html).
Diante da raridade quanto ao número de credores que respeitam o CDC no momento de cobrar seus devedores, verifica-se um aumento de credores sem qualquer consciência das conseqüências cíveis e penais de suas cobranças desmedidas via internet.

Não satisfeitos com ligações repetitivas, cobranças em lugares inapropriados, utilização de qualquer meio de coação, ameaça ou constrangimento direto ao devedor, alguns credores sentem-se no direito de praticar cobranças abusivas utilizando sites de relacionamento, hoje mundialmente freqüentados.

A falta de conhecimento sobre os direitos e deveres que lhes cabem talvez seja um dos motivos que fazem os credores agirem de tal forma. Enquanto que para os consumidores inadimplentes, essa falta de conhecimento dos seus direitos afeta não só a possibilidade de ver seu direito respeitado, como também afeta o bom funcionamento do que está estabelecido como regra na ordem jurídica pátria. Pois, na maioria das vezes, o consumidor inadimplente vítima de cobrança abusiva, seja real ou virtualmente, termina por aceitar a cobrança em questão, não tomando qualquer tipo de providência. Sendo cabível, inclusive, uma ocorrência policial constando o ocorrido bem como o nome dos praticantes!

O pensamento, de que o meio virtual é um “terreno” desprovido de qualquer tipo de regra já existente no meio real, é a conceituação mais comum para alguns indivíduos que mesmo altamente capacitados para a utilização da ferramenta de acesso a internet, desconhecem o significado da palavra “analogia”, bem como sua utilidade no meio civil e principalmente jurídico.

Isto porque, atualmente nos encontramos desprovidos de leis específicas que abarquem conteúdos dessa natureza (crimes eletrônicos). Temos apenas projetos de lei, sendo, portanto, (nós, operadores da lei) forçados a utilizar o principio da analogia para resguardar direitos virtualmente afetados.

Na jurisprudência abaixo colacionada, observa-se a cobrança abusiva via site de relacionamento, momento ou circunstância em que o devedor sente-se desproporcionalmente importunado e constrangido pelo credor, tendo em vista a acessibilidade mundial dos dados ali postados.

RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ENVIO DE MENSAGEM ATRAVÉS DE PÁGINA DE RELACIONAMENTO NA INTERNET (ORKUT). DANO MORAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS CONCEDIDA NO VALOR DE R$ 2.000,00, QUE SE ADEQUA AO PARÂMETRO UTILIZADO PELA TURMA NAS INDENIZAÇÕES CONCEDIDAS EM CASOS SEMELHANTES. RECURSO IMPROVIDO. (Recurso Cível Nº 71002407856, TJRS, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Luís Francisco Franco, Julgado em 23/02/2010)

Essa conduta é tipificada como crime pelo CDC tanto no artigo 42 (já mencionado), quanto no artigo 71 que explicitamente expõe a penalidade imposta aos transgressores dessa regra.
"Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer: Pena Detenção de três meses a um ano e multa."

O dano moral aplicado no caso supramencionado se deve ao fato da cobrança ter sido veiculada através de um meio mundialmente freqüentado, ou seja, um meio cuja acessibilidade é ilimitada, sem restrições. Configura-se, portanto, uma prática abusiva que causou danos a dignidade do consumidor inadimplente bem como violou o positivado no artigo 42 do CDC.

Acredita-se que com a vinda de leis específicas que regrem o terreno virtual, essas indenizações não continuem sendo aplicadas de maneira tímida, como pode ser visto na jurisprudência acima (indenização de R$2.000,00). Pois a dignidade do consumidor inadimplente, enquanto indivíduo de uma sociedade é tão afetado com cobranças abusivas no meio virtual quanto o é no mundo real. Além do que, deve ser lembrado que as condenações em dano moral não servem unicamente para satisfazer o sofrimento da vítima, mas também para coibir a reincidência da prática aqui exposta.